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No Fundo Rotativo da Polícia Civil, regra é pra inglês ver, os gestores escolhem a quais obedecer

No Fundo Rotativo da Polícia Civil, regra é pra inglês ver,  os gestores escolhem a quais obedecer

05/11/2013

Mesmo desativadas ou sem policiais civis, algumas delegacias do Paraná receberam, entre janeiro e agosto deste ano, verba pública do Fundo Rotativo da Polícia Civil – dinheiro destinado a cobrir gastos de manutenção das unidades.
Mas o problema vai além. Unidades como as de Ita­­peruçu e Balsa Nova, que não são sede de comarca (onde há presença do Judiciário) e ficam na Região Metropolitana de Curitiba, continuaram a receber repasses, contrariando regra publicada pela corporação no fim do ano passado. Outra situação que chama a atenção é o montante destinado para delegacias pequenas, que supera o valor repassado a unidades da capital (veja infográfico). Os dados estão no site Gestão do Dinheiro Público, do governo estadual.
Em maio de 2012, logo após a Gazeta do Povo ter revelado, na série de reportagens “Polícia Fora da Lei”, que delegacias fechadas recebiam dinheiro do fundo rotativo, o governo do Paraná anunciou uma reformulação das regras, centralizando a verba nas mãos dos delegados titulares das 20 subdivisões e seis divisões e núcleos especiais. Esta foi a principal medida adotada para fiscalizar os repasses, o que acabaria com desvios. Antes, as 457 unidades da Polícia Civil recebiam diretamente o dinheiro.
Quatro meses depois, em 10 de outubro do ano passado, o governo do estado voltou a descentralizar os repasses – desta vez, sem qualquer anúncio oficial. Os gastos, que eram geridos e controlados por poucos mais de duas dezenas de pessoas, passaram para os responsáveis por 246 delegacias. Apenas as unidades localizadas em cidades-sede de comarca passaram a receber os recursos. A principal justificativa para a mudança, de acordo com o Diário Oficial, é a sobrecarga gerada aos delegados das subdivisões.
Exemplos
A Delegacia de Itaperuçu recebeu R$ 14 mil entre janeiro e agosto deste ano. No dia 7 do mês passado, o imóvel foi totalmente fechado e devolvido ao proprietário. “Não quiseram pagar R$ 1 mil de aluguel que o proprietário pediu”, disse o funcionário da prefeitura Gabriel Lopes Pereira. A unidade não registrava boletinsde ocorrências havia três anos. Apenas Pereira cumpria expediente fazendo carteiras de identidade. Todo o material, desde papel e plástico até a impressão, era custeado pelo município. O fundo rotativo pagava luz, águae aluguel, que custava R$ 590 por mês. Agora, o cidadão de Itaperuçu que quiser registrar um boletim de ocorrência, deve chamar a Polícia Militar ou ir até Rio Branco do Sul.
Em Balsa Nova, a delegacia é administrada pela PM. Apesar de não ser sede de comarca, a unidade recebeu R$ 12,7 mil entre janeiro e julho. Enquanto os PMs fazem patrulhamento pelas ruas, as portas ficam fechadas. “Se a PM prender alguém aqui não vai nem entrar na delegacia. Vai levar direto para Campo Largo”, conta um morador.
“Problema é cultural, não ilegal”, afirma chefe da polícia
O delegado-geral da Polícia Civil do Paraná, Riad Braga Farhat, afirmou que a administração do fundo rotativo passa por obstáculos culturais e não por ilegalidades. Ele não nega que possa haver desvios, mas ressalta que a maioria dos policiais trabalha para gerir bem o fundo, com o objetivo de resolver os problemas das delegacias e não para “enriquecer”.
“É cultural. A grande maioria faz mágica para administrar a verba”, afirma. Segundo ele, o que pode ocorrer em algumas unidades é a tentativa de fugir da burocracia para resolver o problema. Ele explica que, muitas vezes, o policial registra a verba para determinado item, mas compra equipamento para investigar. Na avaliação dele, é um ato administrativo errado, mas adotado para salvar o serviço policial. “A orientação é andar dentro da lei”, ressalta.
A delegada Valéria Padovani, que foi titular do Grupo Auxiliar Financeiro da Polícia Civil, afirma que os gastos nas delegacias que não são sede de comarca estão na conta das unidades que gerem essas localidades. Segundo ela, os policiais vão até essas cidades e gastam com gasolina, papel para registrar boletins de ocorrências e para manutenção predial (como conta de luz e água) das unidades que estariam “desativadas”. Todos os custos seriam detalhados em uma planilha interna da corporação.
“Hoje quem recebe é sede de comarca. Não quer dizer que aquelas delegacias subordinadas que não são sede não recebam recursos, mas o recurso delas está centralizado na sede de comarca.”
Polícia Fora da lei
Ministério Público segue investigando a suspeita de irregularidades
A Promotoria de Defesa do Patrimônio Público do Ministério Público (MP) do Paraná segue investigando os depósitos em contas do Fundo Rotativo da Polícia Civil em delegacias que sequer existiam.
As irregularidades foram reveladas pela série de reportagens “Polícia Fora da Lei”, publicadas pela Gazeta do Povo em maio do ano passado. Todas as contas do fundo estão passando por uma auditoria do MP desde o final do ano passado. O promotor Felipe Lamarão de Paula também apura as irregularidades no uso de viaturas descaracterizadas da polícia.
A série flagrou policiais civis usando viaturas para levar filhos a escola, fazer compras e até ir a bordel. Policiais militares também foram flagrados na época. Lamarão já pediu cópia das absolvições em sindicâncias internas da Polícia Civil.
No caso dos PMs, ele iniciou a leitura do processo. Lamarão é o terceiro promotor a pegar o caso.
Transparência
Repasse para órgão que não funciona não tem sentido, diz especialista
O doutor em Administração Pública José Matias Pereira, professor da Universidade de Brasília (UnB), aponta que as delegacias desativadas ou sem policiais civis não deveriam receber dinheiro público. Do ponto de vista administrativo, um dos principais problemas é que esses recursos não podem ficar sem um responsável pela sua gestão.
“Se não tem delegado, quem vai administrar essa verba?”, questiona. “Do ponto de vista da gestão pública, se você não tem aquele órgão funcionando, não tem nenhum sentido repassar recursos para ele”, avalia.
O especialista vê com bom olhos a descentralização dos repasses, mas ressalta que isso deve sempre vir acompanhado de mecanismos de controle que confiram transparência ao processo. Ele sugere que os delegados responsáveis pelas subdivisões acompanhem a destinação e aplicação dos recursos. “A descentralização tem que ser feita com segurança, de tal forma que se tenha um efetivo controle sobre a aplicação da verba.”

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